Sopa de talo? Suco de casca de fruta? Farinha de semente? Pode parecer
estranho, mas essas receitas existem e são gostosas e saudáveis. Além
disso, em épocas como a atual, em que os gastos com a alimentação estão
altos, representam economia, pois evitam o desperdício, aproveitando
tudo de bom que o alimento tem a oferecer.
O que geralmente vai para o lixo, como o talo, a semente e as cascas de
frutas e vegetais pode – e deve – ser aproveitado. Afinal, eles são
ricos em vitaminas e fibras, podendo ter até 40 vezes mais nutrientes do
que a própria fruta, verdura ou legume.
"Essas partes, teoricamente não comestíveis, são ricas em sais
minerais, vitaminas e fibras, nutrientes essenciais ao nosso organismo",
aponta Rosane Pilot Pessa Ribeiro, professora do Departamento de
Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem da
USP de Ribeirão Preto. Um bom exemplo disso é a casca da laranja, que
tem 40 vezes mais cálcio do que sua polpa.
Folha
de beterraba: "A beterraba é um alimento rico em vitaminas e minerais, e
seu talo possui flavonoides, antioxidantes que auxiliam na prevenção do
envelhecimento das células", explica Júlio Sérgio Marchini, professor
de Nutrologia da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto (FMRP/
USP). Além disso, a beterraba pode ter todas as suas partes
aproveitadas. Suas folhas podem ser utilizadas para fazer charutos
recheados, seu talo pode ser usado em risotos e saladas, e até a água de
seu cozimento pode ser aproveitada no preparo de gelatinas vermelhas Eduardo Knapp/Folhapress
Mas não para por aí. De acordo com a Tabela de Composição Química das
Partes não Convencionais dos Alimentos, apresentada pelo programa
Alimente-se Bem do Sesi (Serviço Social da Indústria) de São Paulo,
partes como a casca, o talo e a semente possuem muitos nutrientes
importantes para o bom funcionamento do organismo.
A casca do abacaxi, por exemplo, é rica em vitamina C, que aumenta as
defesas do organismo, auxiliando na prevenção e no combate de infecções
como a gripe. Já a folha da cenoura é fonte de proteína, que auxilia na
formação e manutenção dos órgãos e na cicatrização, e em lipídios, que
regula a temperatura corporal, fornece energia e facilita o transporte
de nutrientes pelo organismo. E o talo da salsinha possui grandes
concentrações de fibra, que auxilia a controlar os níveis de açúcar e
gordura no sangue, ajudando a prevenir diabetes e doenças do coração,
além de contribui para o bom funcionamento do intestino, e em cálcio,
que é responsável pela formação e manutenção dos ossos. E esses são
apenas alguns exemplos.
Na regra do aproveitamento integral dos alimentos, nada se perde.
Sementes de abóbora, por exemplo, podem se tornar um petisco saudável e é
interessante notar que elas têm 28 vezes mais fibras do que a polpa.
Sementes de outras frutas, como a jaca, também pode ser torradas e
trituradas para virar uma farinha nutritiva, que pode ser usada em
massas de bolos e tortas. Nem a casca do ovo deve ser jogada fora: rica
em cálcio, ela pode ser triturada e misturada à farinha em bolos e pães.
Incrementando a culinária
"A utilização integral dos alimentos possibilita uma maneira de
incrementar a culinária diária, criando receitas enriquecidas
nutricionalmente. Podem ser boas fontes de fibras, vitaminas e sais
minerais, quando se implanta corretamente esses alimentos no cotidiano
das famílias", aponta Júlio Sérgio Marchini, professor de Nutrologia da
Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto (FMRP/ USP).
As opções são muito variadas – e as receitas também. Tanto que o
programa Alimente-se Bem do Sesi acabou de lançar um livro com 50
receitas que aproveitam todas as partes de frutas e hortaliças. Todos
conceitos mostrados no livro são também apresentados em cursos, com
quatro ou três aulas práticas e teóricas, com carga horária de 10 horas,
e realizados em 44 das 54 unidades do Sesi ou "in company". O livro é
gratuito e oferecido para quem faz o curso com 65% de presença
comprovada.
Entre as receitas estão o arrumadinho de berinjela, que aproveita a
casca da berinjela e talos de salsa, e o bolo musse de acerola, que
utiliza a entrecasca (aquela parte branca entre a casca e a polpa da
fruta) do maracujá entre seus ingredientes.
As partes não convencionais dos alimentos podem ainda ser utilizadas em
sopas, saladas, sucos, geleias, compotas e até como aperitivos. Tudo
depende da criatividade de quem cozinha. "A casca da banana, por
exemplo, é rica em fibras e pode ser utilizada na confecção de bolos e
doces; a casca do maracujá e da tangerina são ricas em vitamina C e
fibras e pode se fazer um doce em compota ou geleia; a casca da
abobrinha é rica em fibras e pode ser utilizada em conjunto com a ricota
em quiches; a casca da berinjela é rica em potássio e pode ser
utilizada refogada como acompanhamento", ensina Célia Cohen,
nutricionista e pesquisadora da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto
da Universidade de São Paulo (FMRP).
Bolo
musse de acerola - Ingredientes: 3 unidades casca de maracujá. Bolo: 1
xícara (chá) farinha de trigo, 3 unidades ovos, 3/4 xícara (chá)
açúcar, 6 colheres (sopa) suco de maracujá, 1 colher (sopa) fermento em
pó. Mousse de acerola: 1 xícara (chá) suco de acerola, 1/4 xícara (chá)
água, 1 envelope gelatina sem sabor, 1/2 xícara (chá) açúcar, 1/2 xícara
(chá) leite em pó, 1 copo iogurte natural. Calda: 1/2 xícara (chá) suco
de maracujá e 1/2 xícara (chá) água. Modo de preparo: Lave bem os
maracujás, descasque-os e corte-os ao meio. Retire a polpa, faça um suco
e reserve, deixe a parte branca de molho por 4 horas em água quente, ou
ferva até tirar o sabor amargo, pique e reserve. Para o bolo misture
todos os ingredientes até formar uma massa homogênea. Coloque em fôrma
untada e enfarinhada e leve para assar. Faça um suco com a acerola e a
água, coe e reserve. Dissolva a gelatina conforme orientação da
embalagem, bata no liquidificador com o suco de acerola, o açúcar, o
leite em pó, o iogurte e a casca do maracujá. Leve para gelar. Para a
calda, ferva o suco de maracujá, o açúcar e a água. Desenforme o bolo,
espalhe o mousse e coloque a calda. Rendimento: 8 porções; Tempo de
preparo: 30 minuntos; Valor calórico da porção: 266,08 Kcal; Custo total
da receita: R$ 5,85; Custo individual: R$ 0,73. Receita do livro "50
receitas nutritivas com frutas e hortaliças do Programa Alimente-se
Bem", do Sesi-SP Divulgação
Uma questão de economia
Além de fazer bem para a saúde, o aproveitamento integral dos alimentos
também faz bem para o bolso. Afinal, no Brasil, o desperdício de
alimentos é muito grande. Para se ter uma ideia, a maior parte do lixo
produzido no país é orgânico, ou seja, proveniente de restos de
alimentos.
Segundo dados da ONU (Organização das Nações Unidas) de 2012, uma
residência brasileira desperdiça em média 20% dos alimentos que compra
semanalmente e, a cada ano, o Brasil joga fora R$ 12 bilhões de reais
com o desperdício de alimentos. Por outro lado, a fome continua sendo um
dos mais graves problemas do país. Ainda de acordo com dados da ONU, o
país possui 50 milhões de pessoas que convivem com a fome e a
desnutrição.
Isso se reflete na economia pessoal também, pois um único alimento pode
ser preparado de cinco formas diferentes e todas com alto valor
nutritivo. Assim, aproveitar a casca, o talo e a semente também
significa economia e permite que as pessoas experimentem novas opções de
receita, diversificando o cardápio.
"Utilizar o alimento em sua totalidade denota mais do que economia.
Significa usar os recursos disponíveis sem desperdício, reciclar,
respeitar a natureza e alimentar-se bem, afinal, talos, folhas, sementes
e cascas são, muitas vezes, mais nutritivos do que a parte dos
alimentos que estamos habituados a comer", afirma a nutricionista Bruna
di Chiara Passos.
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